Uma das últimas fortalezas do seu gênero (os alemães chamam de Flachlandfestung – fortaleza de planície) e uma das mais bem preservadas no norte da Europa, a fortaleza de Dömitz, à beira do rio Elba, já passou por muito. Tendo sido palco para diversas batalhas na Guerra dos 30 Anos (1618 – 1648) até a atualidade, quando se viu do lado oriental na divisão da Alemanha e à sua frente foi erguida a cerca que cortaria a Alemanha ao meio.
Caminhar por esta fortaleza é se sentir transportado para a Renascença, quando as técnicas militares finalmente saíram por completo dos conceitos medievais e ganharam todos os traços de uma fortaleza em formato estrela (traço italiano), cujo objetivo já não era mais residencial e pouco político/administrativo, mas quase puramente militar.
Este tipo de construção é um incrível termômetro das tecnologias da sociedades e relações do período e região. Nesse caso ficam ainda mais claras as modificações empreendidas com o fim da época medieval, já que a própria fortaleza de Dömitz foi construída em 1565 pelo duque de Mecklenburg, por cima das ruínas de um antigo castelo do século XIII de mesmo nome. Ambos tinham como objetivo proteger a fronteira sul de Mecklenburg e o controle do rio Elba.
Infelizmente pouco se sabe sobre a arquitetura do castelo que antecedeu à ruína, exceto que possuía uma torre de menagem circular.
A fortaleza leva o nome da cidade onde se encontra, Dömitz, localizada entre Berlim e Hamburgo, em uma região de fazendas e lindas paisagens ao redor do rio Elba e cuja posição estratégica em um pequena elevação, permitiu ao forte escapar ileso às constantes cheias do rio Elba. A própria cidade também contava com muralhas ao seu redor. Ainda hoje é possível encontrar trechos dessas muralhas pela cidade.
Sua rápida construção durou apenas 6 anos, já que o duque de Mecklenburg, Johann Albrecht I, tinha grande interesse em apressar as obras ao máximo e ordenou que se construísse na cidade uma olaria (fábrica de tijolos) e contratou Francesco a Bornau um famoso arquiteto militar italiano (os italianos eram os melhores na época e inventaram muitos dos conceitos e técnicas obviamente utilizadas no chamado “traço italiano”) para desenhar a fortaleza, assim como artesãos.
Das construções inicialmente erguidas quase nada restou, tendo sido destruída e reconstruída após as diversas batalhas, com exceção da casa do comandante (Kommandantenhaus), porém o desenho geral da fortaleza permanece o mesmo.
A única parte da fortaleza na qual durante os séculos criou-se algum tipo de decoração mais detalhada foi a porta feita de arenito – o material teve que ser transportado por centenas de quilômetros – em estilo renascentista holandês, em que se encontra o seguinte texto: “JOHANNES ALBERTUS DUX MEGAPOL SIBI-SVISQVE COMMUNIVIT ANNO M D LXV” (“Construído por Johann Albrecht I de Mecklenburg para ele e os seus em 1565”).
Portal de entrada em arenito. Autor: Losch
Quando se entra por esta porta se percebe o engenhoso sistema de defesa em cotovelo, muito utilizado no período medieval em uma barbacã e ainda presente em algumas fortificações deste período. Ao passar pela ponte levadiça e se aproximando-se do portão principal, já se percebe adiante duas canhoneiras (espaço destinado aos canhões). Ao olhar para a esquerda, seguindo o corredor, encontram-se ainda duas outras portas fortificadas.
Eu fiz um pequeno vídeo tentando explicar como funcionaria. Infelizmente o sistema de som da GoPro é pior do que eu esperava.
A fortaleza é um forte-estrela de 5 pontas. Em cada ponta encontra-se um bastião com casamata e seus muros entre elas possuem 9 metros de altura. Essas casamatas estão muito bem preservadas e é possível realizar a visitação.
Hoje as casamatas são utilizadas como áreas de exposição sobre a reserva biológica localizada ao redor da fortaleza, deixando o caráter militar de lado e infelizmente provendo limitadas informações quanto ao seu uso.
Nas casamatas ainda estão intactas as saídas para ventilação, necessárias devido ao uso de pólvora nos canhões. É sempre interessante notar o perfeito planejamento das posições de tiro, de forma a sempre manter qualquer ponto da fortaleza em linha com múltiplos canhões, a fim de minimizar a chance de um ponto cego e gerar uma linha de fogo cruzado nos atacantes.
Dömitz na Guerra dos 30 Anos
Dömitz desempenhou um papel fundamental durante a Guerra dos 30 Anos, para ambos os lados, já que trocou de mãos diversas vezes durante o conflito. Inicialmente dominada sem luta pelos ingleses, foi sitiada pelos dinamarqueses e ao final foi completamente queimada durante a Grande Batalha de Dömitz, quando as tropas suecas venceram as do Eleitorado da Saxônia e aliados em um combate feroz, que deixou a fortaleza e a cidade de Dömitz devastada e mais de 2.000 mortos.
Curiosidade que aprendi na fortaleza: a palavra Calibre tem origem árabe “qâlib” que significa forma ou molde. Foi devido ao contato com os árabes durante o início do uso das armas de fogo na Europa, que se modificou a palavra em árabe para francês e daí para todos os outros idiomas europeus.
Uso após a destruição na Guerra dos 30 Anos
A partir de 1705, Dömitz foi além de fortaleza, uma clínica psiquiátrica e prisão. Um pouco depois, em 1709, Carlos Leopoldo de Mecklemburgo-Schwerin resolveu sediar na cidade e na fortaleza o centro do seu governo.
Uma história interessante não ligada à fortaleza mas sim a Carlos Leopoldo: ele foi o avô de Ivan VI da Rússia, um personagem histórico que viveu uma vida digna do livro “O Homem da Máscara de Ferro”, infelizmente sem um final feliz.
Após diversas modernizações, como a adição de mais bocas de fogo, a fortaleza viu de novo combate quando durante as guerras napoleônicas foi bombardeada e tomada pelos franceses e holandeses.
Na Segunda Guerra, os mesmos bastiões de defesa que lutaram contra as tropas de Napoleão serviram para abrigar a população local contra os bombardeios aliados.
E para nossa sorte, desde 1957 é um museu.
Museu
A fortaleza inteira possui exposições sobre a região a fortaleza e a natureza ao redor.
A principal exposição fica na casa do comandante, o prédio mais alto no complexo.
FOTO Casa do comandante
Nela se pode acompanhar o desenvolvimento da fortaleza e da cidade ao redor, ilustrada por maquetes.
A exposição mostra tanto a decoração original dentro da fortaleza quanto algumas curiosidades, como por exemplo:
A cidade de Dömitz
Além da fortaleza, a cidade de Dömitz vale uma curta caminhada. Até mesmo por que uma parte da fortaleza se estendia ao redor da cidade e ainda é possível encontrar fragmentos de sua estrutura defensiva.
Como chegar
A fortaleza fica quase na metade do caminho entre Hamburgo e Berlim, e é um ótimo ponto de parada, um pouco ao sul da rodovia A24.
Para ir com transporte público infelizmente é bastante complicado.
Endereço – Museum Festung Dömitz – Auf der Festung 3 -19303 Dömitz
Ticket
Adulto 5,50 €