Saímos da Cracóvia, na Polônia, pela manhã, com objetivo de chegar em Budapeste (Hungria) no final do dia. Tenho que confessar que até aquele momento não havia percebido que o trajeto me levaria a poucos quilômetros do castelo de Spiš, na Eslováquia, parte do patrimônio cultural da Unesco. Foi somente quando observei o GPS, já na estrada, que percebi o absurdo que seria passar por esta linda região sem parar para conhecer esta jóia.
Mesmo com poucas placas sinalizando até o local, é bem fácil achar o castelo, no alto do morro na região de Spiš (daí o nome do castelo), já que seu gigantesco complexo (um dos maiores da Europa com 49,485 metros quadrados) funciona como um grande farol. O castelo também conta com um conjunto de cavernas em sua base, o que ajuda a inspirar ainda mais lendas em sua história.
Infelizmente, o castelo está em ruínas há séculos, e reparos só foram iniciados há poucas décadas. Em contrapartida, o que já foi reparado está extremamente bem feito, respeitando bastante a arquitetura e os métodos antigos de construção e materiais.
É uma vista fantástica ao se aproximar do castelo.
Chegando no castelo você pode alugar um audio guide, que custa 10 €, o qual recomendo, pois não existem muitas explicações escritas ao longo da visita. Se o aparelho for devolvido antes de 90 minutos, você recebe os 10 € de volta.
Um pouco de história
O castelo de Spis foi mencionado pela primeira vez um documento do rei da Hungria, no século XII. Porém, construções anteriores ao século II d.C. já foram encontradas em escavações no local, inclusive com uma cidade murada existindo até esse período.
É interessante citar que esta cidade murada tinha um certo prestígio na região, já que até mesmo restos de uma casa da moeda, com produção de moedas de prata, ali foram encontrados. Além disso, esta região sempre foi em um ponto de encontro de rotas comerciais entre o leste e o oeste da Europa.
O castelo como vemos hoje foi inicialmente construído ao redor de uma torre de menagem (keep, em inglês) destruída poucos anos depois por um terremoto.
Em 1241, o castelo passou por um de seus maiores desafios, quando enfrentou e venceu as hordas mongóis que haviam varrido os exércitos europeus e asiáticos.
Este castelo foi um dos poucos castelos a resistir aos ataques mongóis que acabaram por matar quase metade da população húngara.
Já nos séculos XIII e XIV, após as extremamente devastadoras invasões mongóis, o castelo ganhou o seu palácio em estilo romanesco e fortificações em pedra, assim como sua muralha exterior e diversos sistemas de defesa, como barbacãs e fossos secos. Estes sistemas tiveram um papel essencial em defender os ocupantes dos castelos contra os diversos exércitos que testaram sua força contra seus muros (tendo resistido inclusive aos exércitos da rainha Elizabeth I e muitos outros).
Inicialmente de maioria nobre, e depois aristocrática, as diversas outras famílias que dominaram o castelo durante os séculos, investiram em modificações profundas. Primeiro com forte influência do estilo gótico e depois adicionando muito do estilo renascentista às suas construções.
A família Csáky’s foi a última a habitar o castelo e no início do século XVIII abandonou o castelo, por não considerar sua estrutura confortável o suficiente (algumas fontes citam que o castelo era muito difícil de aquecer).
Nessa época, o uso militar do castelo já havia se tornado em grande parte secundário. Porém, em 1710, ele ainda passou por sua última batalha, quando foi invadido pelas tropas do Sacro Império Romano Germânico.
Em 1780, um incêndio destruiu completamente o castelo. Alguns suspeitam de que a própria família Csáky’s tenha ateado fogo no castelo, a fim de não mais pagar as pesadas taxas sobre este.
Não se sabe ao certo o motivo do incêndio, mas desde então o castelo está em ruínas. O que por um lado destruiu muito de sua beleza, por outro o conservou, para que ele chegasse até nossos tempos sem mais alterações em sua estrutura.
Em 1945, o castelo passou das mãos da família Csáky’s para o estado, ao qual pertence até hoje.
Lendas e mitos
Uma história famosa do castelo é o da rainha princesa tártara (ou mongol, em algumas fontes) que se apaixonou pelo filho do comandante do castelo.
Durante as invasões à Europa, as tropas mongóis sitiaram o castelo de Spis, mas ao invés de montar todo um aparato para um sítio e possível ataque à fortaleza, decidiram manter-se escondidos nas florestas ao redor e esperar pelo fim das reservas de água do castelo, que nessa época não possuía um poço.
Entendendo que o tempo estava contra eles, o comandante do castelo de Spis bolou um plano para virar o jogo, e enviou tropas às florestas com o objetivo de capturar a princesa mongol que estaria junto aos mongóis.
Suas tropas foram bem sucedidas e algum tempo depois o líder mongol buscou negociar o retorno da princesa em troca de suas tropas deixarem a região.
Para sua decepção, a princesa havia se apaixonado e assim que as tropas se retiraram, ela fugiu de seu pai e retornou ao castelo para se casar com seu amor.
Seu pai, em cólera, enviou um grupo de assassinos com uma carta a ser entregue na ponta de uma flecha.
No dia do casamento, um dos assassinos se infiltrou no castelo e atirou uma flecha contra a princesa, com a carta de seu pai, que dizia: “este é o seu presente de casamento”. (Nota da Rafaella, minha esposa: parece até casamento escrito pelo George R. R. Martin)
O castelo hoje
Uma parte das ruínas está atualmente aberta para visitação, incluindo a torre de menagem, seus muros externos e pátios.
As ruínas permanecem incríveis, um testamento ao desejo de sobrevivência e demonstração de poder de outras épocas. Muito das tecnologias militares utilizadas nesta época ainda se conservam nessas ruínas, incluindo os balestreiros e seteiras (arrowslits ou loopholes, em inglês ), seus muros e barbacãs (barbican).
Além das ruínas, as áreas já renovadas estão abertas à visitação com exposições muito interessantes.
A cozinha está bem equipada de acordo com o que seria na baixa Idade Média.
Também é possível subir a torre de menagem, de onde se tem uma vista linda do local.
Atenção! A subida não é para os claustrofóbicos.
Um outro alerta interessante: neste castelo, assim como em muitos outros, existem muitos equipamentos de tortura. Em sua grande maioria estes são falsos (originais quase nunca são) e de fato a grande maioria não passa de invenções modernas ou posteriores à Idade Média.
Em um outro post vou escrever sobre equipamentos de tortura medieval, porém fique claro que muitos destes equipamentos são basicamente um show para turistas que esperam que todo castelo tenha um calabouço, quando na verdade quase nenhum o tinha
Dicas e horário de funcionamento
- A caminhada até o castelo é por uma rua íngreme e dura cerca de 10 minutos. Não se desespere ao chegar no castelo: há uma pequena lanchonete ?
- É possível caminhar pela maior parte das muralhas externas sem pagar nada por isso
- O audio guide requer um depósito de 10 €, que é devolvido caso você retorne o aparelho antes de 90 minutos.
- Obviamente, o castelo não é realmente fechado na maior parte, então busque um dia com bom tempo para visitá-lo.
Nota da Rafaella: assim que chegamos ao alto da montanha, onde se localiza o estacionamento, tivemos certa dificuldade em achar vagas. Afinal, era verão (ou seja, alta temporada das viagens em família e seus carros que ocupam o espaço de dois). O terreno em declive com pedrinhas miúdas dificultou algumas manobras, e saímos do carro para auxiliar o motorista. Até que percebemos um barulho estranho a cada movimento do carro. E o barulho se intensificava a cada manobra. Estávamos arranhando, ou melhor, arrancando um pedaço do carro de alguém? Ou havia alguma pedra maior debaixo do carro? Não, nada disso. Quando o motorista olhou pelo retrovisor, era apenas um galho enorme preso na porta de trás, que passou despercebido pelo amigo que saltou com pressa. À esta altura, os turistas e até as criancinhas riam da nossa cara. Resumindo: não importa quão bonita ou interessante seja a viagem, há sempre momentos constrangedores. E esse é o grande barato de colecionar viagens!
Endereço
SNM-Spišské múzeum, Nám. Majstra Pavla 40, 054 01 Levoča – Slovakia
Preços
- 6 € por adulto
- 3 € por criança